“DE PROFUNDIS”
© DE Helena Kolody
Monstros de pesadelo
Macularam o puro olhar das feras
Com o espetáculo vil de suas ações.
Seres moribundos,
De entranhas ansiosas de fome,
Rastejam na sombra.
Chacais implacáveis
Devoram o rebanho.
Um denso mar de elegias
Cresce por sobre as fronteiras
No fundo choro das mães.
Áspero vento de miséria
Fustiga os homens:
Secou-lhes a medula nos ossos
E a língua nas fauces.
Nuvem de fogo do Monte Senai:
Consome a terra até os fundamentos
E renova, no Amor, a face do mundo.
[in Correnteza, 1977, pp. 120-121. Ed. Lítero-Técnica, Curitiba – Paraná]
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ABISMAL
© DE Helena Kolody
Meus olhos estão olhando
De muito longe, de muito longe,
Das infinitas distâncias
Dos abismos interiores.
Meus olhos estão a olhar do extremo longínquo
Para você que está diante de mim.
Mas os cinco dedos pendem como um lírio murcho
Ao longo do vestido.
Aqui tudo é leve, silencioso, indefinido,
Imóvel.
Não tenho mais limites.
Tornei-me fluida como o ar.
Seus olhos têm apelos magnéticos,
Mas estou abismada
Em profundezas infinitas.
[in Correnteza, 1977, p. 42. Ed. Lítero-Técnica, Curitiba – Paraná]
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Inquietação
© DE Helena Kolody
O ritmo febril de um sangue moço
Lateja em minhas fontes.
As tendências recalcadas
Rumorejam surdamente,
Como lavas represadas,
Eu não sei que perdidas regiões do inconsciente.
Não possuo mais a antiga serenidade
De alta montanha nevada.
O amor quis envolver-me
E eu me esquivei.
Essa tristeza que me oprime
Tornou-se mais espessa
E pesou mais o meu destino de ser só.
O esforço gasto em árdua luta
Partiu não sei que amarras
Que me prendiam à vida.
Meu espírito, desarvorado,
Deixa-se vagar ao sabor da corrente.
Não quer aportar.
[in Correnteza, 1977, p. 43. Ed. Lítero-Técnica, Curitiba – Paraná]