POETAS DO PIAUI – Alvina Gameiro

Alvina Gameiro

Escritora e poeta piauiense. Nasceu em Oeiras em 1917

Livros: 15 contos que o destino escreveu (Conto 1970); A Vela e o temporal (Romance e Novela 1957), Chico Vaqueiro no meu Piauí (Poesia cordel 1971); Contos do sertão do Piauí (Conto 1988),  Curral de serras (Romance e Novela 1980);  O Vale das Açucenas (Romance e Novela 1963); Orfeão de sonhos (Poesia 1967).

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Editora Henriqueta Galeno, 1971

CHICO VAQUEIRO DO MEU PIAUÍ - Fortaleza: Editora Henriqueta Galeno, 1971

VI

 

         O Vaqueiro de pé, tem ares de um vigia,

         erguido no terreiro, amarrado à magia,

         de um sonho fascinante, eivado de poesia…

 

         Em palor o clarão da tarde se resume;

         já começa a dançar no espaço o vaga-lume;

         as estrelas no céu acenderam seu lume

         até que o dia surja entre os braços da aurora.

         Diáfana beleza empolga o campo a fora

         e o concerto do vento está parando agora.

 

A noite vai tomando o coração da mata;

a gentil açucena em néctar se desata.

Apenas, no silêncio, há notas de sonata,

que os sapos, em mil sons, rouquejam sem parar,

pois têm cada vivente em meio de saudar,

mostrando aos corações um jeito de agradar…

 

O esplendor do luar, que mais e mais fulgura,

de prata banha inteira a máscula figura,

tão imóvel que até nos lembra uma escultura

de guerreiro lendário ou místico profeta…

É que o Vaqueiro escuta em meio à noite quieta,

sua alma que se dá a cantares de poeta…

 

Tem BA boca apagado o coto do cigarro;

ouve atento o cri-cri desse grilo bizarro,

cantador do gramado ou da frincha de barro,

e lhe vem à cabeça a existência suprema

de um Deus que fez o amor, que da vida é o emblema,

como a rima de luz é a essência de um poema…

 

Falando à Natureza, ele pergunta apenas,

por que foi que o <<Senhor>> molhou com tantas penas

as delícias do amor nas estradas terrenas?

Com que fim acordou a estranha comoção

que sente sem querer, tomar-lhe o coração

e é misto de prazer e de atribulação?!…

 

E Chico sabe, sim, que este amor vinga e cresce

e se o tenta esconder, tanto mais aparece

e quanto mais na sombra, então, é que floresce…

 

 

XI

 

Quando o inverno chegou, alastrou-se a fartura;

o campo se cobriu inteiro de verdura,

e a chuva que fecunda a terra e a planta cria,

no peito pastoril, desabrocha a alegria.

 

E chove sem parar, e chove noite e dia.

a lavoura crescida ao toque da invernia,

rebenta em floração, e os imensos trançados

cobrem de jitirana as cercas dos roçados.

Emboneca-se o milho, o arrozal cacheia,

e de grandes melões a roça se faz cheia,

maxixe e melancia estendem cabeleiras

na estrada que ficou entre os seios das leiras.

 

Os rio colossais a essa hora já transbordam

sobre várzeas sem fim, onde as reses engordam.

Há lagoas brilhando entre o verde capim,

e reúnem-se ali, em perene festim,

comendo a trabalhar, pássaros ribeirinhos,

para o ninho fazer e esperar os filhinhos,

mostrando, na lição, a sábia Natureza

que antes da geração se faz o abrigo e a mesa.

 

Na alcatifa do campo há milhares de flores

desiguais em tamanho, em feitio e nas cores;

é a toalha pintada em estilo divino,

a dizer o <<Senhor>>, na grandeza do ensino,

que não fez distinção semeando os engodos,

no banquete do mundo onde o assento é de todos,

e do néctar do amor, que é o pólen da criação,

Deus serviu a toda a alma um brinde de emoção.

 

Que beleza é a pupila azul do firmamento,

lacrimejando amor, vazando o juramento

do verde que em fartura espraia, nasce e cresce

no campo, nos vergéis, na caatinga e na messe!…

        

 

XIV

 

E junho veio enfim, e como ele a moagem,

o ruído do engenho e as cheirosas tachadas.

E junho veio enfim, concedendo a hospedagem

aos que costumam vir brindar as vaquejadas.

 

Convidam-se ao redor, os vizinhos amigos,

e os vaqueiros que vêm testar a valentia.

Agregados se dão ao preparo de abrigos

Que vão dar cobertura aos heróis da porfia…

Entrega-se à alegria o povo da Fazenda.

Há latidos de cães no paio da morada

e os homens conversando, enquanto armam a tenda,

põem-se a rememorar casos de vaquejada.

 

Adiante, esfolam bois para fazer tassalhos

e o machado golpeia, enquanto o facão talha.

Na cozinha, onde alguém resmuninha  entre ralhos,

rude não de pilão, sobre a paçoca, malha.

E do forno de barro, arrastam cinza e brasa

para enfiar ali, muitas flandres de bolo:

cariri, caridade, e os sequilhos de casa,

pamonha, manauê, a peta, o engana-tolo.

 

Visitas da cidade os carros vêm trazer.

Chega o compadre branco e também chega o preto,

que as honras têm iguais no trato a receber,

e a carne vai servir aos dois no mesmo espeto.

Feliz o fazendeiro, exige na festança

tudo que há de melhor, fartura sem rival,

porque sempre viveu e vive na abastança,

que tributar desvelo é dom patriarcal.

 

E junho se derrama, alegrando as Fazenda

como o dinheiro do gado após a apartação,

transportando o Divino, a colher oferendas,

trazendo o boi-bumbá na festa de São João.

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Origem para esta publicação: http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/piaui/alvina_gameiro.html

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